A lenda Garrincha

Garrincha: nobre fim de carreira.

Aconteceu em 1970, quando Chico Buarque, exilado na Itália, construiu boa amizade com Garrincha, morando em Roma com Elza Soares. Enquanto Chico queria falar de futebol, Garrincha só aceitava falar de música. Quem conta é o genial Ruy Castro através de 'Estrela Solitária, um brasileiro chamado Garrincha'.
"O máximo que Garrincha conseguia era exibir-se em amistosos entre times amadores, quase sempre de colégios, fábricas ou sindicatos, que lhe pagavam pequenos cachês por sua participação. (...) Quem o levava para esses jogos era Araújo Netto, mas, em algumas ocasiões, Garrincha foi transportado no Fiat de outro ilustre motorista, também morando na Itália e de quem ficara amigo: Chico Buarque.
Garrincha visitou Chico Buarque duas vezes no pequeno apartamento do compositor na piazzale Flaminio. Na primeira vez tomaram uma garrafa de grappa. Desceram para comprar outra na mercearia da rua, o povo reconheceu Garrincha e, a partir daí, a cotação de Chico na vizinhança aumentou espantosamente.
Os dois tinham muito o que conversar, apesar de suas preferências tão díspares: o tricolor Chico queria falar de futebol e Garrincha, de música popular. Garrincha surpreendeu Chico, que o imaginava fã apenas de Emilinha Borba ou Ângela Maria: falou de Bossa Nova com algum conhecimento e disse que um dos seus cantores favoritos era João Gilberto.
A casa de Chico de Buarque era das poucas a que Garrincha se arriscava a ir sozinho. Não se orientava bem em Roma, não entendia níquel de italiano e se recusava a aprender: "Não tem essa de non capisco. Eles que me entendam".



CARLOS DRUMOND DE ANDRADE

"...Se há um Deus que regula o futebol, esse Deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas, como é também um Deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho..."



O FUTEBOL ARTE (Roberto Vieira)

Garrincha Lautrec.
Disforme, anatomia não-linear desafiando a própria natureza, o mago de pernas tortas movia-se a absinto e mulheres no Moulin-Rouge dos anos 50 e 60.
Assistir Garrincha era um deleite de danças loucas pela direita do futebol.
Garrincha que insistia em cultivar sua arte na bebida e viu sua vida destruída pelas incessantes sessões de can-can.
Tudo regado a vermelhos e amarelos, movimento e destruição.

Por que Garrincha não era Nilton Santos?
Sábio e eterno?
Falsa impressão.



ARMANDO NOGUEIRA

"Para Garrincha, a superfície de um lenço era um latifundio"